A lucidez do riso face ao absurdo

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Quando um pobre nos quer lamber as botas devemos ou não untá-las previamente? pergunta o professor de Hábitos Suíços em aula de colégio interno narrada no primeiro painel de A Noite e o Riso.

Ouçamos o que responde o melhor aluno da turma, por sorte colega de carteira do nosso protagonista, na leitura de Nuno Moura acompanhada pelo clarinete de Luís Bastos, no dia 7 de Fevereiro, no Musicbox, depois de um final de tarde na Casa Fernando Pessoa.

Breve registo da primeira sessão do ciclo "Sem casas não haveria ruas", dedicada ao escritor Nuno Bragança. Um dia com "a lucidez do riso face ao absurdo".

Nuno Moura lendo passagens de A Noite e o Riso (1969)

Fernando Alves leu um capítulo de Directa (1977)

João Pinto Nogueira leu excertos de Square Tolstoi (1981)

O auditório da Casa Fernando Pessoa encheu para ouvir Nuno Bragança

Leitura no Musicbox, ex-Texas Bar, onde se passam várias 
cenas do romance A Noite e o Riso e do filme Os Verdes Anos

Fotograma de Os Verdes Anos (1963), filme de 
Paulo Rocha com guião de Nuno Bragança

Nuno Moura acompanhado por Luís Bastos no clarinete e na guitarra

Fotografias de Nuno Morão


Nuno Moura - Poeta e recitador errante, tem dez livros publicados. É editor da Mia Soave e da Douda Correria. Organiza eventos de música e poesia, como o Festival Triciclo e a Poe.sia na Re.al, e faz parte dos colectivos O COPO e Ventilan. Nasceu em Lisboa em 1970. A Noite e o Riso é um dos livros da sua vida.

Fernando Alves - Em 1970, com 16 anos, estreou-se na rádio, em Benguela, onde viveu entre os cinco e os 21 anos. É jornalista da TSF, estação que ajudou a fundar em 1989. Assina actualmente a Revista de Imprensa e regista há 19 anos os seus “Sinais”, crónica diária antologia pela Oficina do Livro em 2000. Em 1994 foi distinguido pela Casa da Imprensa com o Prémio Bordallo da Rádio. O romance Directa foi um "murro no estômago" quando o leu pela primeira vez, em 1977.

João Pinto Nogueira - Nasceu em Lisboa em 1949. Estudou engenharia em Londres, mas começou a sua vida profissional no teatro, onde fez fotografia de cena, produção, iluminação, som e música. No cinema trabalhou como director de produção, primeiro assistente de realização, anotador e fotógrafo de cena. O documentário U omãi qe dava pulus (2008), sobre Nuno Bragança, foi a sua primeira longa-metragem como realizador. Escolheu para nos ler excertos de Square Tolstoi que falam de cinema.

O ciclo "Sem casas não haveria ruas" é uma colaboração entre a Casa Fernando Pessoa, a Fundação José Saramago e a BOCA.




Nuno Manuel Maria Caupers de Bragança nasceu a 12 de Fevereiro de 1929 em Lisboa e morreu a 7 de Fevereiro de 1985, na mesma cidade. Tudo na sua vida foi matéria de escrita e esta tema fundamental para a qual todos os seus romances remetem. A configuração autobiográfica da matéria narrativa reporta-nos para um tempo único da história portuguesa, para uma geração fundamental na construção política e cultural de um país e para um momento de renovação da literatura portuguesa.
Descendente único de uma família da mais alta aristocracia portuguesa, facto este que influenciou toda a sua vida e obra, iniciou o curso de Agronomia, transitando depois para Direito. Em meados dos anos 50 integrou a equipa do jornal Encontro (órgão da Juventude Universitária Católica), onde publicou os seus primeiros textos literários. Foi ainda nesta década que começou a interessar-se por cinema, dedicando-se à crítica cinematográfica e fundando com os amigos o cineclube cristão Centro Cultural de Cinema, ao mesmo tempo que se envolvia cada vez mais com o movimento do Catolicismo Progressista e na luta contra o regime salazarista. A partir de 1958, colaborou com o grupo da Livraria Moraes Editores, entretanto comprada por António Alçada Baptista, e com a revista O Tempo e o Modo. O agravamento da situação política do país fez com que, nos anos 60, se empenhasse mais socialmente, militando no MAR (Movimento de Acção Revolucionária) e na Resistência Cristã.
Em 1963 adaptou e escreveu os diálogos de Os Verdes Anos, realizado por Paulo Rocha, considerado o filme pioneiro do Cinema Novo Português. Mais tarde, em 1970, co-assinou com Gérard Castello Lopes, Fernando Lopes e Augusto Cabrita a curta-metragem Nacionalidade: Português, que se estreou em 1973.
Em 1968 fixou-se definitivamente em Paris, trabalhando como conselheiro técnico da missão permanente de Portugal para os problemas de trabalho junto da OCDE, função que irá desempenhar até 1972, conciliando-a com a crescente actividade literária e a cada vez mais arriscada e comprometida acção política.
Um ano mais tarde publicou o seu primeiro e mais emblemático romance – A Noite e o Riso, verdadeira ‘pedrada no charco’ na literatura portuguesa da época. Regressou a Portugal em 1972, disposto a publicar clandestinamente o seu segundo romance Directa que, no entanto, só seria publicado em 1977. No ano de 1981 publicou o seu terceiro romance, Square Tolstoi. Estes três romances formam um dos conjuntos mais originais da nossa literatura e uma singular aventura de escrita que se destaca pela linguagem viva, pela espessura do seu universo narrativo, pela arquitectura em que assenta e pela forma como a inscrição autoral se vai insinuando e teorizando ao longo das páginas.
Três anos mais tarde, em 1984, publicaria ainda a colectânea de contos Estação. Postumamente foi publicada a novela Do Fim do Mundo, de difícil datação no seu percurso literário.
Ainda hoje, aos olhos do séc. XXI, uma das lições a aprender com Nuno Bragança parece ser esse raro e harmonioso contrato entre uma modernidade que lhe é absolutamente intrínseca e um pacífico e generoso uso da tradição literária, que lhe é inevitável e natural enquanto herança cultural: «Para o português contemporâneo, o problema da sua iniciação não é o da dificuldade de entrar na prosa existente, mas o de sair dela. Isto não é tão simples como parece. Nada. Não existe hipótese de criação artística madura sem a pre-existência de uma tradição alimentadora. O escritor português do século vinte, segunda metade, deve saber mergulhar na tradição e logo de seguida regressar à superfície, vivo. Exactamente como um caçador submarino que desce doze ou quinze metros abaixo da tona do oceano para arpoar um mero que está no fundo, à porta da sua gruta.»

Texto de Sara Ludovico.
Fotografia de Gérard Castello Lopes.


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