Depois de ler e escutar as passagens aquilinianas sobre a passarada das Terras do Demo, vale a pena meter o
Guia das Aves de Aquilino Ribeiro na mochila, juntar-lhe binóculos, cantil e farnel, e partir para o planalto beirão.
No nosso caso, o encontro foi nos Paços do Concelho de Moimenta da Beira, de onde seguimos para a Praça Aquilino Ribeiro em Soutosa, ao lado da Casa Museu Aquilino Ribeiro. Atravessando a aldeia e o arvoredo, chegámos às margens do Paiva, que seguimos pelas faldas da Serra da Nave.
Francisco Moreira foi o ornitólogo de serviço, deslocando a nossa atenção da toutinegra para a carriça, do pisco para o rouxinol, dos pardais dos telhados para os pardais franceses, do tentilhão para a meigengra (chapim).
Alguém descortinou ainda o pica-peixe (guarda-rios) e outros ouvidos deram com o cuco, já a comitiva regressava a Soutosa, passando pela fraga onde Aquilino se escondeu numa das suas romanescas fugas da prisão. Ali se refugiou o escritor durante meses, recebendo as visitas furtivas dos vizinhos, às escondidas da pide que vasculhava a mata em volta. Agasalhos, convívio e comida lhe levaram – e daquela foi tanta, que Aquilino, vendo-se engordar sob as pesadas pedras de granito, teve de convencer os benfeitores a reduzirem a dose.
Seguiu-se um generoso repasto de trutas de escabeche, rojões, bola de carne, queijos, croquetes, bolinhos de bacalhau, tudo regado a "
Demo de Honra", excelente tinto da região, lançado nessa ocasião pela
Cooperativa Agrícola do Távora. Assim retemperados, dirigimo-nos à Casa Museu Aquilino Ribeiro, para a apresentação do audiolivro, e o seu acolhimento caloroso por dezenas de entusiastas da obra do mestre, ali homenageado não apenas como grande escritor, mas como grande naturalista, e como criador da mais rica herança cultural daquele território inóspito.
"Não é Aquilino Ribeiro que precisa de nós, somos nós que precisamos de Aquilino Ribeiro", precisou José Eduardo Ferreira, presidente da Câmara Municipal de Moimenta, que foi, com a Fundação Aquilino Ribeiro, responsável pelo passeio, pelo banquete e pelo beberete final com que nos despedimos no pátio da Casa.
Em Lisboa, uma semana depois, assentámos arraiais entre os ninhos sonoros da exposição "
PIU! Um despertar para os sons da natureza", do Museu Nacional de História Natural. A sessão abriu com as boas vindas da anfitriã Irineia de Melo, que contou ter descoberto neste audiolivro a importância das aves na obra de Aquilino, aves diversas das da sua infância angolana.
Seguiu-se a apresentação de Alberto Correia, presidente do Centro de Estudos Aquilino Ribeiro (Viseu), intervenções dos autores, leituras de Fernando Alves e a escuta de algumas faixas do CD, com música de José Eduardo Rocha, que não pôde estar presente. No final, as conversas sobrepuseram-se à planeada visita da exposição, mas lá voltaremos para ouvir o que diz o ovo gigante – a fraga que nos abrigou a conversa.
Fotografias de Nuno Morão
0 Responses to “Da fraga refúgio ao ovo sonoro - a primeira viagem do Guia das Aves de Aquilino Ribeiro”
Leave a Reply