Foi na bela tarde de 25 de Junho que a
BOCA apresentou as suas novidades editoriais no
Festival Silêncio:
Mémorias de Um Craque, de Fernando Assis Pacheco, lido por Nuno Moura,
O Mistério do Coiso, escrito e gravado por Thomas Bakk, e o videolivro de contadores alentejanos
Anda cá que eu já te conto, na altura em produção.
Aqui vemos Sven Mensing (do sempre hospitaleiro Instituto Alemão), Anabela Gonçalves (tradutora para castelhano dos contos do videolivro - trilingue), Oriana Alves (BOCA), Nuno Moura, José Barbieri (Memoria Média) e Thomas Bakk.
João Rodrigues, editor da Sextante e amigo de Fernando Assis Pacheco, não pôde estar presente para falar do craque mas escreveu o texto que se segue e que então lemos:
"A infância é aquele período da nossa vida de que não conseguimos realmente desembaraçar-nos, mesmo que o queiramos. E na literatura passa-se o mesmo. Quase pode dizer-se que não há livro onde não estejam memórias ou traços da infância dos escritores.
Mas o nosso audiolivro
Memórias de um Craque, companheiro de hoje, é mesmo, intencionalmente, um livro de memórias de infância em torno de uma bola de cristal maravilhosa: a Chincha!
É esta chincha, que, de pontapé em pontapé, de jogo em jogo, de batalha em batalha, faz entrar o narrador e os seus amigos de bairro na vida, nas agruras e nas satisfações de viver.
A verdadeira velha chincha era um ser de trapos bem embrulhados e atados (o Assis já jogava com uma tecnologicamente mais avançada, de borracha!) e essa velha chincha, só por ela, já era uma imagem da vida: construía-se começando por atar em nós sucessivos um velho lenço gasto e roto. E em volta dele outros trapos e lenços se iam atando. Se se desmontasse uma chincha, tal como uma cebola, aqueles trapos em camadas iam revelando histórias de famílias, de pessoas, novas e velhas, que por eles passaram, de narizes, suores e arranhões.
Memórias de um craque é um livro assim, feito de uma série de textos de iniciação, também camadas de uma vida em construção. Uns miúdos juntam-se para jogar à bola e vão descobrindo o mundo, tão simples como isto. Tão simples e tão verdadeiro, foi assim que se passou, é assim que se passa, por toda a parte, em Coimbra e em Cabul, nas favelas do Rio e nos subúrbios de Daca, nos jardins de Cardiff e nos becos de Brooklin.
Fernando Assis Pacheco resolveu um dia, em 1972, escrever um «folhetim» das suas memórias de infância para um jornal desportivo, o
Record. Estes 30 textos, saídos sem interrupção, todos os sábados, de Maio a Novembro daquele ano, são textos com futebol em fundo mas também verdadeiros textos literários, fiéis à voz inesquecível de Fernando Assis Pacheco, como notam os prefaciadores da primeira edição conjunta, da Assírio & Alvim, Abel Barros Baptista e Manuel António Pina: a «clave» auto-irónica, o vocabulário da vida comum, a poesia do quotidiano. Ginasticado na junção dos clássicos, portugas e outros bem mais antigos, com a grande literatura de língua inglesa, Fernando Assis Pacheco fez sempre manguitos aos arrebiques e falou e escreveu como toda a gente entende e sente. Parecendo fácil, é de facto o mais difícil: não usar estereótipos, cortar com os rodriguinhos, a erudição e as metáforas rebuscadas.
Este livrinho, hoje áudio, graças à Boca que edita «palavras que alimentam», é uma lição de escrita e de vida, e devia ser obrigatório nas escolas. Não percam.
Fernando Assis Pacheco nasceu em Coimbra a 1 de Fevereiro de 1937, teria hoje 73 anos se a senhora da gadanha não o tivesse catrapiscado numa livraria de Lisboa a 30 de Outubro de 1995, o mesmo dia e mês em que tinha também morrido outro Fernando, também poeta, o Pessoa. Tenho a certeza, pelo que conheci do Assis, que gostaria de saber que um livro dele, ainda por cima falado, nos tinha juntado aqui."
Seguimos depois para Montemor-O-Novo, onde Thomas Bakk contou ao vivo no
Contos Doutra Hora algumas das histórias que gravou para a BOCA.
fotografias de
Nuno Morão
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